"Avanço da Otan é ameaça existencial à Rússia, que vai lutar até onde puder", diz Bernardo Wahl

Data da postagem: 23/09/2022


Para professor da FespSP, o Ocidente e a mídia são rápidos em julgar Vladimir Putin, mas não se esforçam para entender as razões da Rússia

Por Eduardo Maretti, da RBA

Publicado 23/09/2022 - 07h18


São Paulo – A guerra entre Rússia e Ucrânia, desencadeada por Vladimir Putin como resposta ao avanço incessante da Otan sobre suas fronteiras desde a dissolução da União Soviética, em 1991, completa sete meses neste sábado (24). Não há previsão de acordo. Moscou tentou negociar e alertar muitas vezes durante esse período, mas os russos foram ignorados pelos Estados Unidos e Europa sistematicamente até o final de 2021. Naquele momento, tudo indica, Putin decidiu pelo uso da força.

A situação, agora, chegou a um ponto em que a guerra, para a Rússia, não pode ser perdida. Não apenas porque a Ucrânia é geopoliticamente estratégica para os próprios russos, uma questão de fato existencial, mas também porque é crucial para Putin se manter no poder a médio prazo, na análise de Bernardo Wahl, professor de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).


Ele observa que, ao longo da guerra, Putin tem sido em seu país objeto de protestos de grupos à esquerda e à direita, porque o presidente russo não estaria sendo suficientemente duro com os ucranianos. “Isso também explica as novas medidas (anunciadas quarta-feira, 21, em discurso transmitido para toda a nação pela TV)”. O líder anunciou a convocação de 300 mil reservistas.

“O destino do regime de Putin está ligado ao destino da guerra. Se Putin perde ou a Rússia sai humilhada, provavelmente será o fim da era Putin. Como o avanço da Otan é uma ameaça existencial à Rússia, ela não pode ceder e Putin vai lutar até onde puder”, diz Wahl. “Nem Rússia, nem Ucrânia, nem Ocidente podem ou querem ceder. Por isso a guerra continua. Putin não tem perfil de quem cede, mas talvez quem estivesse no lugar dele agisse da mesma maneira”, acrescenta.


Putin: ameaça é o Ocidente

Por outro lado, acontece que a deflagração da guerra, chamada pela Rússia de “operação especial”, se deu inicialmente como uma estratégia de defesa. “Geograficamente, não há montanhas no leste da Ucrânia que sirvam de proteção à Rússia, que precisa de uma Ucrânia neutra ou pró-Moscou.”

Putin diz claramente que o Ocidente é que ameaça a Rússia, e que seu país apenas se defende, o que, concretamente, no atual conflito, corresponde à verdade. “A Rússia vê tudo isso como ações defensivas diante do avanço da Otan”, afirma o professor.

Para ele, o discurso de Putin deve ser entendido em um contexto histórico e amplo. O líder russo anunciou que vai usar todos os recursos à sua disposição. Citou uma “chantagem nuclear” do Ocidente. “Os que tentarem nos chantagear com armas nucleares devem saber que os ventos podem se virar na direção deles”, avisou.

“É preciso entender o contexto e a reverberação que a fala de Putin tem. Veja que as manchetes se voltam para a temática do risco de guerra nuclear. Porém, o que Putin faz é uma espécie de guerra psicológica.”

Já para os Estados Unidos, uma vitória de Moscou poderia apontar para o deslocamento do poder para a Eurásia e a hegemonia de Rússia e mesmo China. “Isso se torna um problema sério de segurança nacional para os norte-americanos”, diz o professor. “Uma vitória de Putin deixaria a Rússia próxima da fronteira da Europa ocidental, uma ameaça para ela”.

Armas nucleares táticas

Mas é possível que as ameaças se materializem em um conflito nuclear, mesmo que com armas nucleares táticas? Este tipo de armamento tem grande poder destrutivo, mas limitado. Armas táticas podem destruir um quarteirão, por exemplo, mas não uma cidade. “Sim, existe o cenário de a Rússia usar arma nuclear tática. Mas é improvável. E o cenário de uma guerra nuclear, ainda mais improvável”, acredita Bernardo Wahl. “Até porque a guerra nuclear seria a aniquilação. Não há vencedores, como disse o presidente Joe Biden” (na Assembleia Geral das Nações Unidas na quarta-feira).

O destaque dado pela mídia ocidental a uma hoje improvável possibilidade de conflito nuclear se deve à interpretação maniqueísta da guerra ou das relações internacionais, onde os EUA são o bem e a Rússia, o mal. “A mídia é muito rápida em julgar o Putin, e não em entender as razões da Rússia”, diz o professor.

“Então, fica esse frisson na imprensa sobre ameaça nuclear etc. Mas eu me pergunto, quantas pessoas assistiram ao discurso de Putin e tentaram compreender a lógica da Rússia para se comportar dessa forma?”

No discurso de quarta-feira, o líder russo disse que vai apoiar os referendos separatistas em Luhansk, Donetsk, Kherson e Zaporozhie. Essas regiões, junto com a Crimeia, são uma espécie de escudo para a Rússia, ou uma “zona tampão”, como define Bernardo Wahl. O presidente russo propôs referendos nessas quatro localidades em que a população decidiria sob que poder quer ficar. “Se for aprovado que se juntam à Rússia, qualquer ataque a eles será entendido como ataque contra o território russo, o que permitiria ações mais incisivas da Rússia como resposta.”


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Por Rede Brasil Atual