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Rap, Reforma Agrária e a luta por dignidade
Data da postagem: 09/05/2025
Cultura Djonga de apresenta nesta sexta (9), à partir das 19h30, no Palco Arena, na programação da 5ª Feira Nacional, que ocupa o Parque da Água Branca, em São Paulo Por Fernanda Alcântara/Equipe de texto da Feira Da Página do MST Uma das expressões musicais mais aguerridas do mundo não poderia ficar de fora da 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária, que começou nesta quinta-feira (8) e até domingo (11), ocupa o Parque da Água Branca, em São Paulo. Nascido nas ruas do Bronx, nos EUA, o estilo musical conhecido mundialmente como “rap” surgiu como expressão cultural de comunidades marginalizadas, a partir de vozes daqueles sistematicamente silenciados. Seus primórdios estão ligados à denúncia da violência policial, do racismo e da exclusão econômica, mantendo um diálogo direto com a realidade das periferias. Desde suas origens, o rap funcionou como um microfone aberto para as lutas dos socialmente excluídos. Nos EUA, denunciou o racismo e a violência policial; no Brasil, tornou-se voz das periferias, mas também ecoou demandas historicamente silenciadas, sem nunca perder o caráter combativo, amplificando lutas contra as desigualdades. Nos EUA, nomes como Kendrick Lamar e J. Cole abordam desde o encarceramento em massa até a herança colonial, enquanto rappers europeus, como o francês Médine, criticam a xenofobia e a segregação urbana. No Brasil, artistas como Emicida, Djonga e Drik Barbosa são conhecidos por suas letras que expõem a brutalidade do Estado, a falta de oportunidades e a resistência negra e periférica. Embora o rap brasileiro raramente aborde explicitamente o termo “Reforma Agrária”, suas letras desenvolvem uma crítica estrutural ao latifúndio e à desigualdade territorial por meio de três eixos temáticos principais: a denúncia da concentração de riqueza; o uso de metáforas sobre exclusão espacial; e a construção de paralelos entre a violência sofrida nas periferias urbanas e a repressão no campo. Essa abordagem indireta, porém orgânica, permite que artistas como Djonga, Sabotage e Facção Central articulem uma contestação ao modelo fundiário brasileiro sem necessariamente mencionar diretamente a questão agrária, mantendo a coerência com a linguagem cifrada característica do gênero. Além disso, artistas como Racionais MC’s, já nos anos 1990, relacionavam a opressão nas favelas com a desigualdade entre os mais ricos, como em versos como “Ei, senhor de engenho, eu sei bem quem você é/ Sozinho cê num guenta, sozinho cê num entra a pé” (em “Negro Drama”). Grupos como Facção Central, conhecidos por suas letras agressivas e críticas sociais, e artistas como Sabotage, em músicas como “Um Bom Lugar”, abordaram indiretamente a questão agrária ao falar sobre exclusão, violência estrutural e a necessidade de redistribuição de riquezas. Movimentos populares como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), por sua vez, encontraram no rap um aliado cultural. O paralelo é claro uma vez que, assim como o rap confronta a segregação nas áreas urbanas, a luta pela Reforma Agrária desafia o latifúndio e o agronegócio. Ambas as lutas enfrentam repressão e criminalização, mas seguem resistindo – uma nas quebradas, outra nos assentamentos. Seja no beat ou no grito do campo, o que une esses fronts é a mesma demanda: direito ao espaço, dignidade e futuro. É trazendo todo este paralelo que o rapper Djonga, atração de destaque no palco Arena desta Feira Nacional da Reforma Agrária. Filho de Rosângela e Ronaldo Marques, cresceu ouvindo samba e funk até se tornar um dos principais nomes do rap brasileiro. Hoje, o mineiro é conhecido por suas letras afiadas que denunciam desigualdades e celebram a resistência negra e periférica, trazendo para o palco sua música engajada que dialoga diretamente com as lutas do campo e da cidade. A trajetória do rapper Djonga reflete uma consciência política que vai além das fronteiras das periferias urbanas, alcançando pautas estruturantes como a Reforma Agrária. Na música “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de autoria de Djonga com o rapper Filipe Ret, ele lembra “Não adianta inspirar vida se você expira vala”, pode ser interpretada como uma crítica à forma como a terra é utilizada e distribuída no Brasil. A letra é inspirada no filme brasileiro homônimo, de 1964, dirigido por Glauber Rocha. Considerado um marco do cinema novo, o filme retrata a situação de miséria do sertão nordestino e as duas principais alternativas aparentes para superar tal condição: o messianismo e o cangaço, ou Deus e o Diabo, respectivamente. E quando falamos de cultura Sem Terra e este lugar de pertencimento, e de uma nova ideia de dignidade. Djonga, em seu disco “Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto !” (2025) traz reflexões sobre ancestralidade, território e resistência, temas que ecoam as reivindicações do MST por democratização da terra e soberania alimentar. Na música “Ponto de Vista”, do mesmo álbum, o cantor fala sobre sobrevivência e resistência, conceitos que tanto os Sem Terra quanto um jovem preto da periferia compreendem na prática. “No quartinho de despejo, se aprende que a fome também é professora (…)/ Quero o melhor lugar na mesa, porque eu sei que esses cara preferem nos ver servindo”. E neste jogo de palavras e trajetórias, Djonga demonstra como o rap contemporâneo amplifica pautas que transcendem o asfalto. Ao conectar sua narrativa pessoal com as lutas do campo, ele reforça que a desigualdade no Brasil tem dono – e que a transformação só virá com união entre favelas, roçados e aldeias. Assim como o MST, Djonga entende que a terra, a moradia e a dignidade são direitos inegociáveis – e sua música é um grito de alerta para quem ainda acha que essas lutas estão separadas. Se, como Djonga diz em Deus e Diabo na terra do Sol, “Tamo coberto de lama perguntando quanto VALE(…)/ Não é Eduardo e Mônica, é Brumadinho e Mariana na lama /Indecência por grana/ Aonde quem pensa apanha“, vamos continuar pensando, agindo, resistindo. *Editado por Solange EngelmannShow de Yago Opróprio, na IV Feira Nacional da Reforma Agrária. Foto: Matheus Alves
É que eles têm medo do novo
A chama que acende o farol
Seremos Deus e o diabo na terra do Sol”
Djonga – Deus e o Diabo na terra do Sol
Desigualdades compartilhadas
Tenha medo de quem tá vivo e respeito por quem tá morto”.
Djonga – Bença
Djonga na Virada Cultural. Foto: Leandro Couri/EM
Por MST