Em carta a Lula, mulheres Yanomami pedem fim do garimpo nas terras indígenas. "Cumprir a lei"

Data da postagem: 24/01/2023


Assinado por 49 mulheres Yanomami, documento mostra a responsabilidade do governo Bolsonaro sobre a invasão garimpeira na maior terra indígena do país que tem levado ao crescimento da malária, da desnutrição infantil e da exploração sexual

Por Clara Assunção | RBA

Publicado 13/12/2022 - 12h31

Darisa Yanomami e Juruna Yanomami/HAY


Darisa Yanomami e Juruna Yanomami/HAY"Não queremos ficar chorando porque as pessoas morrem, não queremos ficar chorando até a madrugada. Já temos muitas cinzas mortuárias", lamentam as mulheres Yanomami

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São Paulo – O garimpo ilegal na terra indígena Yanomami, em Roraima, tem provocado uma verdadeira crise humanitária com consequências nefastas aos povos indígenas e ao meio ambiente. É o que alertam mulheres Yanomami em carta entregue nesta segunda-feira (12) ao futuro presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Assinado por 49 mulheres de 15 comunidades da maior reserva indígena do país, o documento cobra urgência na desintrusão do território e o cumprimento da lei por parte da nova gestão no governo federal. “Nossa terra é demarcada e o garimpo nas Terras Indígenas é ilegal”, destacam. 

Com “muito medo e preocupação”, elas detalham o cenário aterrador que é diretamente atribuído ao atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Os relatos são semelhantes aos publicados no relatório “Yanomami sob ataque”, divulgado em abril pela Associação Hutukara, que representa o grupo. De acordo com os indígenas, a política bolsonarista é “de incentivo e apoio” às invasões garimpeiras. Emboras ilegais, são respaldadas pela “expectativa de regularização da prática”. 


Entre 2016 e 2021, o garimpo ilegal na TI Yanomami cresceu 3.350%. Com destaque da atividade criminosa principalmente no segundo semestre de 2020, justamente um dos piores momentos da pandemia de covid-19. Um crescimento de 30%, em 2020, para 46%, em 2021. O cálculo é que na reserva, onde vivem quase 29 mil indígenas, eles são ameaçados pela presença de 20 mil garimpeiros. Sem qualquer freio às invasões, os garimpeiros deixam rastros e o ouro e cassiterita extraídos ilegalmente não bastam. 

Destruição ambiental 

Os efeitos disso são sentidos principalmente pelas mulheres. “Quando o garimpo está próximo, nós mulheres ficamos muito preocupadas e andamos com muito medo. Os garimpeiros nos ameaçam e nós não queremos viver assim, queremos viver em paz”, afirmam em um trecho da carta. 


De acordo com elas, a atividade garimpeira está diretamente associada à contaminação de mercúrio, com danos irreversíveis à sua saúde das pessoas e ao meio ambiente. 

“Antigamente tinha água limpa, hoje está muito suja, os rios estão amarelos e já faz tempo que está assim. Estamos com muito medo do que pode acontecer, pois nossa terra está ruim. A nossa roça não está crescendo bem. Nossas crianças já estão sofrendo os impactos do que está acontecendo agora. Lula, os olhos dos peixes estão mudando. Parecem que os olhos estão soltos e até os animais estão diferentes, parecem magros e doentes. Estamos com medo de comer os peixes doentes. Estamos com medo de que nossas crianças fiquem deficientes”, lamentam. 

Saúde abalada e exploração sexual

Em paralelo, a presença de garimpeiros também tem levado a um aumento de doenças. Entre elas, a malária, desnutrição, pneumonia e infestação de vermes que tiram a vida principalmente das crianças. De acordo com as mulheres Yanomami, o território passa por um “caos sanitário”. 

“A presença do garimpo causa conflitos que leva à retirada das equipes de saúde de área. Há hoje muitos postos de saúde na Terra Indígena Yanomami que estão fechados. Há milhares de Yanomami que estão sem nenhum atendimento à saúde. Naqueles postos que ainda estão funcionando, não há medicamentos, falta bote e motor. As equipes não têm como fazer o atendimento básico e muitas comunidades não recebem visitas das equipes de saúde”, descrevem. A carta segue apontando que os povos tradicionais vivem as consequências da “má gestão” do governo Bolsonaro na Saúde, como o desabastecimento de cloroquina para o tratamento da malária. 

“Não queremos ficar chorando porque as pessoas morrem, não queremos ficar chorando até a madrugada. Já temos muitas cinzas mortuárias”, frisam. As indígenas também expuseram o drama da violência sexual sofrido por mulheres e meninas. Os garimpeiros, conforme apontam, assediam e abusam, além de atrair os jovens com alimentos industrializados como pagamento. 

Cumprir a lei

A carta foi construída em parceria com a  Associação Hutukara durante o XIII Encontro Anual de Mulheres Yanomami realizado com apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e da Diocese de Roraima, por ocasião dos 30 anos de demarcação da TI. Além das denúncias, contudo, elas também listaram uma série de recomendações ao presidente eleito, como operações para tirar os garimpeiros e suas máquinas. 

“As poucas operações só retiram as pessoas e deixam as máquinas na floresta, isso facilita que os invasores retornem e reativem aqueles locais de exploração. Tem que fechar o caminho de entrada deles. Fiscalizar os caminhos, bloquear os rios e pistas de pouso que eles usam para chegar até a nossa terra. Tem que fazer cumprir a lei”, garantem. As mulheres Yanomami também cobram a reconstrução da saúde indígena, assim como a formação de qualidade para professores indígenas. 

“Nós queremos viver segundo os nossos próprios projetos. Nós queremos poder acompanhar os cuidados do nosso território. Nossos projetos não causam destruição e respeitam o nosso conhecimento da floresta. Nós fizemos o nosso Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), e queremos que você apoie na implementação. Temos nossas regras e protocolo de consulta e queremos que você respeite e faça ser respeitado”, finalizam na carta endereçada a Lula. 

Confira a íntegra da carta, clicando aqui.

Redação: Clara Assunção

Por Rede Brasil Atual